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A mulher que deu tabaco na presença do marido
Autor: Gonçalo Ferreira da Silva
Quem perde o tempo no mundo
Só com conversa fiada Bota falta em todo mundo, Não nota virtude em nada Se acaso engolisse a língua Morreria envenenada.
Às vezes contam estória
Que nem sequer faz sentido Que no dia de São Nunca Talvez tenha acontecido Da mulher que deu tabaco Na presença do marido.
Dona Juca era dotada
De perfumado sovaco, E quem ferisse uma perna Numa queda ou num buraco Ela curava a ferida Com o seu próprio tabaco.
Quando ela via uma
Desventurada pessoa Horrivelmente gripada Soltando espirros à toa Dava o tabaco e aquela Enferma ficava boa.
Seu marido Mororó
Dizia: - Você me insulta, Quanto mais dá seu tabaco Mais a multidão se avulta Assim, ou para com isso Ou eu vou cobrar consulta.
Mas Dona Juca dizia:
- Essa bobagem não faça, Quando eu tenho algumas pratas Você bebe de cachaça Cobre pelo seu trabalho Meu tabaco eu dou de graça.
Pau da vida, Mororó
Respondeu: - Aqui ninguém Vai mais pedir seu tabaco Pois pra mim não pega bem Quem pedir o seu tabaco Você diga que não tem.
Porém como aquilo tinha
Que acontecer um dia Quanto mais passava o tempo Mais a multidão crescia Procurando a Dona Juca Em magistral romaria.
Pra mostrar que Dona Juca
Tinha mesmo grande prova Basta dizer que uma velha Já com os dois pés na cova Foi visitar Dona Juca Pra pedir pra ficar nova.
Dizia a velha aos presentes
- Não pensem que sou maluca sou velha porém não tenho qualquer problema na cuca tenho fé no milagroso tabaco da Dona Juca.
E disse mais a velhinha:
-Todo mundo tem fé nela não há esse que não queira ao menos sonhar com ela pedir pra sentir o cheiro que tem o tabaco dela.
Conselhos de medicina
Da nossa grande nação Pediram que o governo Procedesse intervenção De Juca o curandeirismo A pronta proibição.
A população local
Lançou logo um manifesto E contra a proibição Uma nota de protesto Achando que o conselheiro Devia ser mais modesto.
A imprensa curiosa
Rádio, TVs e Jornais, Volantes de reportagens, As emissoras locais Mandaram à casa de Juca Os seus profissionais.
Muitas pessoas movidas
Por humanos sentimentos Na casa de Dona Juca Armaram acampamentos Assistindo a cobertura De tais acontecimentos.
E os poetas distantes
Da vigilância do rapa Faziam suas propagandas Enquanto bebiam garapa Exibindo seus folhetos Com Dona Juca na capa.
Numa bengala escorado
Um doente entrou na sala Quando cheirou o tabaco Readquiriu a fala Pra provar que ficou bom Rebolou fora a bengala.
Contente da vida, ele
Por ter salvo a sua vida Graças ao santo tabaco Da Dona Juca querida E esta era por todos Sinceramente aplaudida.
Nunca a fama de um vivente
Depressa se espalhou tanto Nos quatro cantos do mundo O seu nome em cada canto Desfrutava do respeito Do mais milagroso santo.
Quando nem a medicina
Dava esperança sequer Ao enfermo, ele inda tinha Uma fezinha qualquer No tabaco milagroso Daquela santa mulher.
E a própria natureza
Como que para testar O poder que possuia O tabaco de curar Fez aparecer doenças Muito estranhas no lugar.
Por exemplo na cabeça
Dum sujeito ainda moço Apareceu certo dia Uma espécie de caroço Um par de colossais chifres Um mais fino, outro mais grosso.
O rapaz, secretamente,
Foi ao lar de Dona Juca E disse: - Um dia eu senti Na testa uma dor maluca Depois nasceu esses troços No alto da minha cuca.
Dona Juca disse: - O meu
Tabaco pode curar Porém a sua mulher Terá que colaborar Pois do jeito que ela faz Nem adianta tentar.
Este negócio de chifre
Não é um costume novo Eu esfrego meu tabaco, Ela pede fumo ao povo, Eu sei que existe a chuva Porém eu mesmo não chovo.
O rapaz chegando em casa
Disse pra Conceição: -O milagroso tabaco me tira desta aflição no entanto é necessário sua colaboração.
Conceição disse assustada:
-Colaborar? Como assim? Não dê mais o seu tabaco Não seja assim tão ruim... É você dando o tabaco E nascendo chifre em mim.
Aí Conceição cortou
Os males pelas raízes E o pobre rapaz dos chifres Também superou as crises Viveram oitenta anos Extremamente felizes.
Dona Juca recebeu
Parabéns do Doutor Zeca Que fizera experiência Com sua própria cueca E não conseguiu nascer Cabelo em sua careca.
Passando a careca
No tabaco prodigioso Ficou cabeludo e Zeca Se tornou em fervoroso Romeiro de Santa Juca Do tabaco milagroso.
FIM
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O cordel A mulher que deu tabaco na presença do marido é de autoria de Gonçalo Ferreira da Silva. Traz como temática a ambiguidade que pode ser criada pela palavra tabaco, tanto pode referir-se à genitália feminina (numa linguagem mai popular) ou a um produto agrícola processado a partir de folhas do gênero nicotina.
A posição por mim tomada vai de encontro à imagem estereotipada de mulher que é apresentada no cordel. Pois, considero que o gênero feminino deve ter o mesmo respeito que o masculino, perante à sociedade vigente. A imagem de mulher é destoada, denegrida e desvinculada de total respeito por muitas pessoas, em todo o Brasil. Podemos tomar nota desse fato quando ouvimos as letras de músicas presentes em nosso meio, os estilos de roupas que são criadas para "dar uma modelagem melhor" ao corpo feminino, etc.
Reflitamos sobre esses fatos, e não deixem de fazer uma ligação do cordel com os hiperlinks, que estão situados no corpo do cordel.
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